segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

CARREIRA DE RONALDINHO EM O SORRISO DO FUTEBOL


O jornalista italiano Luca Caioli, que escreve sobre o Barcelona e o Real Madrid para a mídia europeia, destrincha a carreira e a trajetória de Ronaldinho Gaúcho em "O Sorriso do Futebol" (Mundo Editorial).
O autor não se preocupa em fazer uma biografia sobre o craque, e sim ressaltar sua importância na volta do futebol inspirador, com suas jogadas geniais de deixar até adversário babando. De acordo com Caioli, o objetivo é homenagear o garoto que trouxe a alegria de volta aos gramados com o futebol moleque e cheio de dribles.
O livro aborda desde o início do namoro do craque com a bola, que começa driblando as cadeiras de casa, sempre apoiado pelo pai. A partir daí, a história ruma para o lado profissional, a carreira no Grêmio, no PSG, no Barcelona e na seleção brasileira.
No trecho selecionado abaixo, o jornalista descreve a partida entre Real Madrid e Barcelona em novembro de 2005 quando o craque brasileiro foi aplaudido de pé pelos adversários.
*
Aplausos
19 de novembro de 2005. Real Madrid x Barcelona
Boa-noite e bem-vindos ao estádio Santigao Bernabéu para a partida Real Madrid x Barcelona, antecipação da 12ª rodada da Liga (Espanhola).
Última novidade sobre as escalações: Leo Messi, a pulga argentina, entrará no lugar do francês Ludovic Giuly, com a camisa 11. Uma mudança que não altera o esquema tático de Frankie Rjikaard. No Real Madrid: Zidane comanda as operações no meio de campo, com o respaldo de Beckham, Pablo Garcia e Robinho. A última dúvida de Vanderlei Luxemburgo foi resolvida.
Será um clássico de alta tensão nas arquibancadas e no campo. É a primeira vez que Samuel Eto'o comparece ao Bernabéu depois dos acontecimentos da temporada anterior. Muitos fanáticos do Real Madrid ainda não esqueceram o "Madrid cabrón, saluda al Campeón" gritado pelo camaroense durante a comemoração pela conquista da Liga. Samuel se desculpou, reconheceu publicamente o erro, mas os 80 mil não amolecerão o coração. Além do mais, nesta semana, muitas pessoas, entre elas alguns jogadores merengues, botaram lenha na fogueira.
Espera-se uma recepção ácida, apesar do pedido de calma dos dois presidentes. Seja como for, o clima do Bernabéu não amedronta o técnico Rjikarrd. Ele não teme el miedo escénico muitas vezes lembrado por Jorge Valdano. Pelo contrário: na sua opinião, ter o estádio contra será uma motivação a mais para os seus rapazes. Há uma diferença de apenas um ponto entre o Barça e o Real na classificação. Amanhã poderemos ter um novo líder. Mas, como diz Luxemburgo, um clássico é sempre especial. Não há previsões nem favoritos.
Enquanto isso, lentamente, as arquibancadas vão sendo preenchidas. Já temos uma cena a ser lembrada: no túnel, Robinho vai cumprimentar Ronaldinho. Abraços e votos de boa sorte recíprocos entre os dois brasileiros. No campo em perfeitas condições, os dois times finalizam o aquecimento. À esquerda, o Real Madrid de uniforme branco. À direita, o Barcelona com o seu amarelo fosforescente. Os homens de Luxemburgo já terminaram e saem entre aplausos. Os de Rjikarrd continuam correndo e tocando a bola. Ao saírem do túnel, são recebidos com vaias. Sonoras, intensas e prolongadas. Parecem intermináveis. 80.300 espectadores, acabam de nos informar. Lotação completa.
O locutor anuncia os times escalados:Real Madrid: Casillas, Salgado, Sergio Ramos, Helguera, Roberto Carkism Pablo García, Beckham, Zidane, Raúl, Robinho, Ronaldo.
Os rostos se sucedem no painel luminoso. Aplausos e ovações para todos.
Barcelona: Victor Valdés, Oleguer, Puyol, Márquez, Gio, Edmilson, Xavi, Deco, Messi, Ronaldinho, Eto'o.
Assobios sem fim.
O árbitro é Itturalde González.
Centenas de lentes e câmaras estão apontadas para a saída dos vestiários. Os times entram em campo. As vaias ao Barcelona são ensurdecedoras. Abraço entre Ronaldinho e Ronaldo, tapinha nas costas entre Eto'o e Ronaldinho. Bola no meio, mas chega o famoso Jimmy Jump, o saltador com seu chapéu catalão. Surge sabe lá de onde, corre pelo campo e, sob olhares divertidos de Ronaldo e Ronaldinho, chuta a bola. Voa em direção à curva norte, onde o pessoal da segurança o agarra.
Começa a partida. A bola é do Barcelona.
1' Falta do Márquez sobre Ronaldo. O árbitro o repreende verbalmente.
3' Eto'o toca pela primeira vez na bola e é vaiado. Era de se esperar. Ainda bem que até agora não se ouvem slogans racistas.
4' Sergio Ramos derruba Messi no limite da área. Perigo para o Real Madrid. Ronaldinho cobra a falta. A bola estoura na barreira. Uma oportunidade perdida.
6' Bola com o Barcelona. Seguram a bola e buscam a velocidade de Eto'o e Messi para superar a defesa branca.
7' Cotovelada de Pablo Garcia em Deco num choque aéreo. O português acaba saindo por alguns minutos.
10' Eto'o, posicionado, recebe de Ronaldinho e fica sozinho na frente de Casillas. A bola sai pela linha de fundo.
12' O Real reage com Robinho. Tenta dar o seu drible impossível na linha e a bola vai para a arquibancada.
13' Deco volta ao jogo. Fizeram-lhe um curativo no rosto.
15' GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL SAMUEL ETO'O
Uma arrancada de Messi que, dentro da área, passa para Eto'o. Com a ponta do pé engana Casillas. 1 a 0. Samuel comemora e chega até ele o som gutural dos macacos. As coisas se complicam para o Real.
21' Beckham cruza para o centro, mas não tem ninguém. O Real procura se recuperar do golpe. Mas não ameaça. Nenhum perigo para a defesa azul-grená. Joga no horizontal, tocando a bola, sem avançar muito depois do gol. Não se refaz.
23' Deco tenta. A bola sai pela linha de fundo.
25' Robinho tenta de novo. Defesa fácil de Valdés.
27' Primeira advertência da partida para Deco, por uma entrada dura em Raúl.
30' Messi fura a defesa, chuta para o gol de Casillas, que defende. O Barça está perto do segundo gol.
31' Ronaldinho é repreendido por ter levantado demais o cotovelo num duelo com Pablo Garcia.
32' No campo, por enquanto, só se vê o Barcelona. Os homens de Rijkaard fazem o que querem.
36' Finalmente o Real toma a bola. Belo passe de Zidane para Roberto Carlos, que avança pela esquerda, mas não há ninguém para finalizar.
37' Ronaldinho bate direto, Casillas defende.
39' De novo Ronaldinho. Passa para Salgado, mas a tentativa para Messi não dá em nada.
40' Sempre o Gaúcho. Avança pela esquerda, passa pela defesa, lança para a área. Messi cabeceia, mas a bola passa longe da trave.
45' Eto'o na área. Casillas salva novamente o Real.
46' Cartão amarelo para Salgado. Reclamações.
Termina o primeiro tempo.
O Real Madrid não existe em campo. O Barcelona está avançando como um rolo compressor. Belo jogo, velocidade vertiginosa. Eto'o é quase infalível. Respondeu aos assobios com o gol. Messi brilhou. Aos 18 anos, no seu primeiro clássico, mostra maturidade e responsabilidade raras. E o que dizer de Ronaldinho? Já fez uma série de passes e de ataques de arrepiar a defesa branca. Para que hoje uma parte joga e a outra observa, admirada, as invenções dos adversários fora-de-série. Valdés praticamente não teve trabalho. São Casillas, mais uma vez, salvou a pele do urso branco. Se nestes 15 minutos Luxemburgo não encontrar uma saída miraculosa, este primeiro clássico do ano pode jogar um balde de água fria nas esperanças do Real.
Segundo tempo. Bola no meio. Aparece um homem nu. Corre pelo campo. É Mark Roberts, um inglês acostumado a essas coisas. É difícil detê-lo, é alto e robusto, mas, por fim, 20 pessoas dão conta do recado e o tiram de campo.
2' Messi chuta de fora da área. A bola é desviada pela defesa.
3' Xavi se encontra em boa posição. A bola raspa na trave.
4' Ronaldinho tenta. Casillas se posiciona e defende.
6' Cartão amarelo para Robinho. Simulação. Ele se joga na área depois de encostar em Gio.
7' Raúl está no chão, diante da área adversária. Depois de ter chutado mal, cai.
8' O capitão do real sai de campo mancando visivelmente. Parece que é o joelho.
9' Messi. Casillas defende. É a terceira vez que tenta com convicção, mas sem sorte. Ou melhor, bravo Ilker!
11' Raúl retorna, mas Guti já está se aquecendo.
12' Substituição no Real: sai Raúl, aplaudido, e entra Guti.
12' GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL RONALDINHO. Fantástico! Faz tudo sozinho. Recebe de Deco no meio de campo. Acaricia a bola com a direita, por dentro, e, numa arrancada, engana Sergio Ramos mudando a direção da bola com um toque da esquerda para a direita. Helguera fica para trás com um gingado; Roberto Carlos, com um carrinho, não consegue. E Casillas fica paralisado com um chute direto. Maravilhoso. É uma obra de arte. O público se comove.
17' Cartão amarelo para Pablo Garcia por uma entrada em Eto'o, no meio de campo. Ainda por cima desnecessária.
18' Eto'o supera Helguera, mas o passe para Ronaldinho é desviado por Sergio Ramos.
19' Segunda substituição no Real Madrid: sai Pablo Garcia, entra Baptista. Luxemburgo aposta em sua artilharia pesada.
23' Primeira mudança no Barcelona. Sai Leo Messi, entra Iniesta. Uma partida espetacular da pulga Argentina. Furou a defesa merengue por todos os lados, com ângulos perfeitos, construiu o gol de Eto'o, o primeiro. Faltou só sacudir as redes para completar uma atuação magistral.
25' O Real Madrid não consegue armar o jogo, superado pela lógica e pela rapidez dos adversários.
29' Finalmente os brancos chutam para o gol de Valdés. Cruzamento de Salgado, pela direita, e Baptista tenta.
30' É a chance do Real. Grande ameaça de Salgado e Victor Valdés faz uma defesa milagrosa.
30' GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL RONALDINHO (BIS). Parte sempre sozinho, recebendo outra vez de Deco, deixa Ramos para trás. Olha para Casillas e chuta no ângulo mais distante. Imprevisível.
O Santiago Bernabéu se rende diante das evidências. De pé, aplaude o craque brasileiro. É uma cena impressionante. Deve ser lembrada. Todas as emissoras de tevê a transmitem. Redatores e jornalistas interpelam até os dois senhores com cachecóis do Real Madrid que aplaudem em primeiro plano - um com bigodes pretos e cabelos brancos, e outro com barbar recém-crescida. Querem saber porquê. Começa o debate sobre o espírito esportivo do público Madrilenho, Chegam elogios de todas as partes. Mas não é só espírito esportivo. Os 80 mil espectadores do estádio de Chamartin não estão surpresos. Eles sabem o que é bonito, têm bom gosto e uma vez na vida a estética do futebol prevalece sobre a fidelidade às próprias cores.
O estupor faz esquecer, ao menos por um instante, o fracasso do próprio time. Sim, há polêmica: 'eu aplaudo quem sabe jogar, o autêntico galáctico desta noite, para mostrar que vocês não jogaram nada'.
Para Ronaldinho, arrancar aplausos na casa do rival é o maior reconhecimento. Talvez seja maior até do que a Bola de Ouro que ele irá receber nove dias depois, em Paris. Há 22 anos o Bernabéu não dedicava um standing ovation a um adversário. Aconteceu em 26 de junho de 1983, na final da Liga: Real Madrid x Barcelona. Diego Armando Maradona parte do meio de campo, passa por todos e chega sozinho diante da meta desprotegida, mas não chuta para dentro. Aguarda. Espera que Juan José, lateral merengue, com cara de Sandokan, volte à cena: dribla-o mais uma vez e sacode a rede.
(...)
Quando descobre que tinha acontecido só com Maradona e com Cruyff, fica perplexo e acrescenta que o valor desse ato é maior ainda. É uma honra. Perguntam-lhe se esse reconhecimento do adversário o deixou feliz. Responde: "Me deixa feliz o fato que as pessoas se divirtam com o futebol. Jogo no Barcelona e os aplausos que mais aprecio são os do meu público, porém, para mim é realmente uma enorme alegria ouvir aplausos em todos os campos, por menores que sejam. Devi dizer que na Espanha, em todos os estádios, eu me sinto estimado, reconhecido e amado. E isso me deixa feliz.
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"O Sorriso do Futebol"Autor: Luca CaioliEditora: Mundo EditorialPáginas: 224Quanto: R$ 33,90Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 .
Fonte: Folhaonline

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