
Todo menino tem um sonho. Tem menino que sonha em ganhar uma bicicleta, menino que sonha em ganhar um estojo de mágica, menino que sonha em ser um Jedi, menino que sonha com futebol. No sábado, o sonho de um menino alvirrubro que sonhava com futebol foi realizado. Ele viajou de Santa Cruz do Capibaribe até Recife para assistir seu primeiro jogo do Náutico. Viajou como viajam os sonhadores - espécie em extinção - entre amigos que torcem pelo Náutico e pelo Ypiranga.
Viajou com o coração repleto de esperança e com a inocência dos que amam o futebol e a vida. Com a inocência que a gente só tem quando tem doze anos.O jogo foi alegre. Quem era torcedor do Náutico foi pro lado do Náutico. Quem era torcedor do Ypiranga ficou no espaço reservado aos torcedores do Ypiranga, fato por si só revoltante, pois somos todos torcedores. Como entender guetos entre pessoas de bem que vão aos estádios se divertir?
O jogo terminou em um incrível 4 a 4. Gol foi o que não faltou. O menino oscilou entre o feliz e triste com as mancadas do time de Rosa e Silva. Não sabia se ria ou se chorava, porém, quando terminou o encontro, sorria como sorriem todos os meninos de doze anos entre amigos.Começava ali seu martírio.Na saída do estádio, o menino foi atacado com seu irmão por um bando de marginais vestidos com as cores do Náutico.
Náutico que é seu clube de coração. Como estava entre torcedores do Ypiranga, foi tomado como inimigo da raça, alvo de fúria e ressentimento, objeto a ser destruído. Seu corpo foi espancado selvagemente, chutado no chão, sacudido com terror contra o asfalto, esfacelado na noite da capital pernambucana, o mesmo Recife que comemorava aniversário daRevolução de 1817.Jogaram-lhe pedras. Sacudiram-lhe paus.
Gritaram-lhe palavras de guerra. Adolescentes e adultos cujo ritual no futebol consiste em ferir, agredir, aterrorizar e matar. Jovens que não têm nada a ver com o clube de Bita e Salomão, Ivan Brondi e Kuki. Jovens que se disfarçam de torcedores e são marginais.O Clube Náutico Capibaribe - como de resto todos os clubes do país - semeiam essa juventude organizada, esse grupamento de nazifascistas de plantão.
Custeia-lhe viagens, investe em roupagem, utiliza-os tal qual brigada berlinense dos anos 30 em noites de cristal nos teatros do futebol brasileiro. Os motivos são secretos, irreais, ostensivamente sigilosos para os ouvidos dos que acreditam que futebol é diversão e lazer.O menino alvirrubro que sonhava em assistir seu time pela primeira vez encontra-se hospitalizado. Com o rosto deformado em uma cama de hospital, com os pais em lágrimas nos corredores exigindo justiça. Pais que se ajoelharam agradecendo a vida do seu filho. Pais que se horrorizaram com a visão do ser amado trucidado pela paixão de menino.A inocência do menino foi tirada. A do seu irmão também.
Pois seu irmão também está entre as vítimas do atentado.Resta a pergunta de sempre, a pergunta que não deseja calar, a pergunta que domina corações e mentes de todos os pais que lêem notícias como essas, a pergunta que fica sempre sem resposta, a pergunta que segue para a diretoria alvirrubra, para a diretoria de todos os clubes desse país, a pergunta que é navalha na carne de todo aquele que é responsável pela segurança pública desse país que se intitula país do futebol.Até quando?
Fonte/futebolnordeste
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