Sem receber
salários há dois meses e direitos de imagem há quatro, os jogadores do
Grêmio Barueri/SP decidiram não ir a campo para enfrentar o Operário, de
Mato Grosso, pela Série D do Campeonato Brasileiro. Em solidariedade,
os onze jogadores do Operário deitaram no gramado,
dando boa contribuição ao repertório de protestos criativos lançados
pelo Bom Senso FC, a fim de denunciar o atraso na organização do futebol
brasileiro, pressionar a CBF por mudanças, neutralizar a Bancada da
Bola e pedir ao governo que pare de se fingir de morto.
Ano passado,
os jogadores entraram em campo com faixas, fizeram minuto de silêncio,
cruzaram os braços após o apito inicial, sentaram no gramado e, na mais
bacana de todas as ações, trocaram bolas de um lado a outro do campo, de
um time para o outro, durante quase um minuto. O gesto dos jogadores do
Operário valeu pela simbologia: mostrar um futebol que parece deitado
em berço não tão esplêndido.
Além disso, o
fato de ter acontecido por um problema com o Grêmio Barueri é
sugestivo, e poderia ser a senha para o Bom Senso enquadrar os clubes de
aluguel, esses estranhos jabutis depositados na árvore do futebol
brasileiro e entre os quais o Grêmio Barueri é um dos destaques. Estreou
na série A em 2009, e não fez feio. Surpreendentemente, na temporada
seguinte o time mudou de nome e de cidade, virou Grêmio Prudente e se
desfez de nove titulares. Não houve o menor cuidado em disfarçar que não
se tratava de um clube, e sim de um balcão de negócios. No final de
2010 o Grêmio Prudente caiu para a segundona e, talvez por não se
adaptar à culinária do oeste paulista, retornou a Barueri e recuperou o
nome de batismo. O regresso à terra natal de nada adiantou, o time
continuou despencando e hoje disputa a série D.
Numa tarde
de sábado de 2009, eu estava em frente à tevê no jogo em que o Guarani
garantiu sua volta à primeira divisão. Em meio à festa, um repórter
perguntou ao então treinador Vadão quais eram os planos para 2010. Vadão
respondeu que não tinha plano algum, já que nenhum dos jogadores
pertencia ao clube e ele não sabia com quais poderia contar. Aquele
Guarani apenas emprestava sua camisa – que já conquistara um Campeonato
Brasileiro, em 1978, além de um vice em 1986 – para vestir os
investimentos de um grupo de empresários. Da mesma forma que o Grêmio
Barueri, ou Grêmio Prudente, ou seja lá que nome tenha o time quando
você estiver lendo esse post, o Guarani voltou para a segundona em 2010 e
caiu para a terceira em 2012, onde segue patinando (em 2013 terminou em
14º lugar e este ano faz campanha medíocre).
O Ipatinga,
que também já passou pela série A do Brasileirão, em 2013 fez as malas e
partiu para Betim, adotando o nome de sua nova cidade. Sofrendo de
crise de identidade, voltou para Ipatinga mas manteve o nome de Betim, e
hoje faz companhia ao Grêmio Barueri na série D. E por aí vai. São
inúmeros os tais “clubes-vitrines” (irônico nome oficialmente adotado
por quem deles se utiliza), que servem aos interesses de fundos de
investimento, de prefeitos que enxergam no futebol um meio de melhorar a
percepção de suas administrações ou de arrivistas que tudo o que querem
daquele time é uma efêmera passagem pela primeira divisão, suficiente
para enriquecer o currículo de seus contratados e, a curto prazo, os
próprios bolsos. Clubes, torcidas e tradição que se danem.
Provavelmente
não resolveria de vez, mas uma das saídas seria rever o critério de
subida e descida entre a primeira e a segunda divisões. Poderíamos pelo
menos pôr em discussão outras fórmulas existentes, como a que leva em
conta a média dos pontos conquistados nas três últimas temporadas. Ou
pensar em algo semelhante a um torneio da morte, promovendo confrontos
diretos, ou triangulares, ou quadrangulares, seja o que for, para
decidir se alguém cairá ou subirá. Tornar mais lento e trabalhoso o
acesso à série A dificultaria a vida de quem só pensa em lucros
imediatos, já que os clubes teriam que ralar alguns bons anos até
alcançar a visibilidade garantida pelos jogos contra os grandes.
Sim: não há
espaço para uma discussão como essa no futebol do século XXI, em que o
dinheiro virou senhor absoluto e atua sem que se pergunte de onde ele
vem ou a que está servindo. Mas não precisamos de mais coisas que puxem o
nosso futebol para baixo.
Também não é
justo exigir do Bom Senso solução para tudo, sob o risco de daqui a
pouco cobrarmos uma posição do grupo em relação aos baixos níveis da
reserva da Cantareira. No entanto, conhecidas as propostas iniciais do
movimento e – batidinhas na madeira – obtidas suas primeiras vitórias,
talvez seja o caso de apontar o foco para essas aberrações que hoje
inundam o futebol brasileiro.
Fonte/TribunadeBarras
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