segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

José Vanildo, o garanhão da Federação

 
Aos 62 anos, José Vanildo da Silva comanda a FNF desde 2007 e não enfrenta oposição para tocar o futebol potiguar
    A garagem do número 2017 da Rua Marcílio Furtado é uma área aberta que permite ao passante ver o que está abrigado nela. Qualquer transeunte não daria a menor importância para qual veículo foi jogado sob o sol causticante de uma manhã de janeiro, não fosse o fato de haver uma ambulância acomodada nesse espaço da casa, que não é um hospital. Encarado mais de perto, observa-se no carro de socorro um brasão em vermelho e verde, sobre os quais se sobressai o branco da sigla FNF (Federação Norte-rio-grandense de Futebol).  “Estaria o futebol potiguar na UTI?”, pensei antes de entrar.

    Ao comprar o veículo, o atual presidente da federação, José Vanildo, foi considerado um senil, conforme seu próprio relato. “O presidente da comissão nacional de antidoping veio aqui e me chamou de louco. Em outros cantos não tem. Vou comprar um ônibus e agora dizem que eu endoidei de vez”. Há oito anos à frente da FNF, o cartola implementou mudanças de modernização e demitiu “vinte e tantos funcionários”.

    “A federação historicamente era tratada de forma paternalista e de pouco investimento em recursos humanos, administrativo. Isso não era novo porque acompanhava a inércia dos filiados. A federação atual procurou se modernizar, oferecer estrutura de capacitação”,  enumera o presidente. Das glórias que relata, contudo, a maior é o investimento em marketing, sobre o qual Vanildo fala com o mesmo entusiasmo de uma criança que acabou de ganhar um brinquedo e ainda não sabe direito como mexer. “É pra isso que eu tenho Alan”, diz em referência ao jornalista e diretor da agência de marketing esportivo 10 Sports, Alan Oliveira.

    Se por um lado ele não sabe exatamente como funciona, por outro procura meios para fazê-lo porque sabe que há retorno. Ao longo da conversa de quase uma hora e meia, encadeou sob seu bigode as palavras “marketing”, “produto” e “divulgação” vinte e uma vezes. “O marketing é o segredo. É por isso que eu elogio meu bigode. Você tem que conjugar o verbo marquetear em todos os tempos”, explanou antes de uma pausa dramática, depois da qual completou gaiatamente: “Eu tô foda hoje! Tô um típico heterossexual ativo”.

    Falta combinar com mais empresários, no entanto, que o futebol potiguar é um produto no qual vale a pena investir. Até lá, a cartela de parceiros permanece com 10 nomes: Pitú, Fetronor, 10 Sports, Fecomércio, Salesiano, Garra, Esporte Interativo, Ster Bom, Penalty e Sparta. O nome de maior peso, a Chevrolet, largou o apoio ao futebol potiguar e de outros estados. Quem ficou, teve o anonimato fiscal garantido por José Vanildo, que não revelou quem paga quanto para ter sua marca exibida nos estádios. “Não tenho ideia”.

    Atualmente, uma placa de publicidade custa a um cliente R$ 30 mil. Se quiser duas nos estádios, há um pacote por R$ 45 mil. Se mais lhe convier, o pacote é definido pela periodicidade de exibição e quantidade de anúncios. Se todos os 10 nomes da atual cartela pagarem o valor mínimo, há uma receita com publicidade na ordem de R$ 300 mil. “Os empresários inteligentes investem no futebol. O futebol é bancado por empresário. E 99% não são daqui. E sabe por que eles são de fora? Porque eles são burros. Porque eles são ignorantes. A Pitú quando investe aqui é porque futebol não tem futuro. A Chevrolet quando investe aqui é porque o futebol é uma porcaria, sim porque ele está jogando dinheiro fora. O Salesiano quando investe é porque o futebol aqui não é sério. Claro que não é isso. É porque eles sabem o valor que o futebol tem para divulgação com a marca deles”, protesta o dirigente ironicamente. Zé Vanildo, como também é conhecido, atribui ao “ranço cultural contra o futebol” a resistência, sobretudo dos empresários locais, em investir “no meu produto futebol”. Algo menos subjetivo pode ajudar a entender o distanciamento.

    A transmissão do futebol na maior emissora do país cai anualmente. Para transmitir os jogos da primeira divisão, que não tem um time do Rio Grande do Norte, a Globo tem patinado nos 15 pontos de audiência em pleno domingo, muito distante da glória atingida na década de 1990, quando uma final chegava a marcar mais de 50 pontos. Os times associados à FNF jogam, via de regra, com transmissão de emissoras fechadas, com audiência não conhecida pelo público.

    Inimigo público 
    do governo

    Dos atores que encenam contra o futebol, na visão de Zé Vanildo, nenhum é tão bom como o poder público, contra quem ele não mede críticas. “Eu nunca recebi uma dedada, uma cutucada de governo. O governo aqui historicamente exclui com o argumento pífio, argumento bufa, com a história de que – faz voz de criancinha – futebol é profissional. É profissional e tem que ser mesmo. Onde o governo coloca a mão para gerir quebra”.

    Para ele é vergonhoso que o gestor público não invista na área. “Você já pensou se o governo investisse em futebol? Era um escândalo. A CBF é o maior escândalo do Brasil – reclinei-me na cadeira achando que ele iria falar sobre os desmandos na confederação, mas a linha de pensamento foi outra – porque mexe com a emoção do torcedor. Na hora em que a mão do governo tocasse ali, criava um ministério com num sei quantos cargos. Aí não ia funcionar. Funciona hoje porque funciona como uma coisa privada. Esse argumento de que futebol é feio é de quem tá do outro lado da cadeira”.

    Remonta ao governo de José Agripino o último gesto que o Estado teve pelo futebol potiguar, na lembrança de Zé Vanildo. Fiquei inclinado a questionar se a Arena das Dunas não era uma contribuição, mas ele levou a conversa para Pernambuco: “Lá, 75% de quem vai o estádio é pelo Todos com a Nota. Há uma campanha tributária e o torcedor entra de cara nesse projeto que acaba definitivamente com a história de dar dinheiro ao futebol”.

    Perguntei por que diabos o governo deveria investir em algo que é essencialmente privado. O presidente da FNF me fitou perplexo, como se eu tivesse, sei lá, acabado de cuspir na imagem de Nossa Senhora. “Da mesma forma que ele investe nos hotéis. Os hotéis são investimento essencialmente privado. Sabe quando o governo investe lá fora? Qual o maior evento do Brasil? Futebol! Do Rio Grande do Norte? Futebol! É o futebol e isso gera emprego e renda. Até pouco tempo ninguém sabia quem era Goianinha, hoje é nome nacional. Até pouco tempo ninguém sabia quem era Ceará-Mirim, e hoje é referenciado no Brasil porque tem um estádio que gera divulgação nacional com o Globo”, esbravejou o dirigente. Agora quem estava perplexo era eu. Levamos o assunto para alguns meses atrás.

    Uma constatação do trade turístico é que a propalada divulgação de Natal com a Copa do Mundo de Futebol não gerou o retorno prometido para o turismo com o material midiático. Diante da afirmação de que Ceará-Mirim foi catapultada do nada para a glória nacional por causa do Globo, confrontei o presidente com o caso concreto de Natal. O que se disse sobre o trade turístico é impublicável.

    “Esse argumento de ficar ao lado dos poderosos hoteleiros é muito mais fácil do que ficar ao lado do time pequeno, do time do interior”, diz o presidente da FNF. Em que pese o discurso carregado contra o poder público, ele não nega que gostaria ter a parceria. Certa vez, na esteira do sucesso do projeto Futebol em Tom Maior, ele procurou a Fundação José Augusto para pedir apoio à iniciativa. “E sabe o que me disseram? Que futebol não se enquadra em cultura. Vou começar a dar o c* vê se se enquadra em cultura”.
    Fonte/NovoJornal

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