Foi naquela tarde de 29 de junho de 1958, na Suécia, que Hideraldo Luiz
Bellini entrou para a história do esporte mundial, de maneira quase intuitiva.
Só o fato de ser o capitão do primeiro título em Copas do Mundo da seleção
brasileira já poderia lhe conferir o a glória. Mas o destino foi além, mais
caprichoso. Diante da euforia da conquista, os fotógrafos brasileiros presentes
no Estádio Nya Ullevi, em Estolcomo, pediram ao beque da seleção para lhes
mostrar a taça Jules Rimet. Bellini não hesitou.
No alto de seu 1,82 metro, o zagueiro que se destacava mais pela personalidade e pela virilidade do que propriamente pela técnica, agarrou a Copa e a ergueu com as duas mãos para o mundo inteiro observar. Não seria exagero dizer que Bellini, naquele simples gesto, mudou a história. Não é mesmo exagero. A imagem de um capitão com os dois braços esticados e a taça acima, reluzente e orgulhosa, era inédita. E nunca mais saiu do imaginário popular. Seja o esporte que for, na conquista em que for, o gesto é repetido ainda nos dias atuais. Uma reverência eterna a Bellini.
"Não foi nada programado. Os fotógrafos que pediram", costumava dizer o zagueirão.
Aos 83 anos de idade, Bellini cansou-se da luta com o Mal de Alzheimer, que o acometia há mais de dez anos, e nesta quinta-feira (20/03) faleceu em São Paulo, onde estava internado em quadro crítico, agravado por uma parada cardíaca. O homem que, em um gesto, deu um bico no complexo de vira-lata que assolava o Brasil desde o Maracanazzo da Copa de 1950. E, ironias do destino, ali na entrada do Maracanã, virou estátua. Ainda que movido pelo boca a boca do povo. Em 1960, dois anos após a conquista na Suécia, uma estátua de bronze que reproduzia gesto de Bellini com a Jules Rimet foi forjada pelo artista plástico Mateus Fernandes.
Era uma iniciativa do empresário Abraham Medina, pai de Roberto Medina, criador do Rock in Rio. Até hoje, a inspiração da estátua é coberta de mistérios. Oficialmente, a homenagem é dedicada aos campeões de 1958. Mas há quem diga que o rosto na escultura é de Francisco Alves, o Rei da Voz, cantor de rádio que arrebatava multidões nas décadas de 40 e 50 e que falecera em 1952 em um acidente automobilístico. A placa da estátua, inclusive, traz o grifo de "Rei de Voz". Há, também, quem diga que o rosto ali esculpido é de Hamilton Sparra, um modelo, e não do capitão da primeira seleção brasileira campeã do mundo.
Para o torcedor que frequenta o Maracanã, pouco importa. Seja ele do Vasco, clube defendido pelo zagueiro por dez anos, ou dos rivais Flamengo, Botafogo, Fluminense, América ou Bangu, aquela homenagem tem nome. É a Estátua do Bellini, ponto de referência na entrada do Maracanã e alvo de fotos dos mais curiosos fãs do esporte bretão que passam pelo mítico estádio carioca. Se a estátua não se fez Bellini, o proprio Bellini se fez estátua nos braços do povo.
Ali, na Cidade Maravilhosa, ele viveu seu auge na carreira profissional. O jeito elegante e o porte atlético do jogador o fizeram ser contratado pelo Gigante da Colina em 1952. Antes, Bellini passara pelo Itapirense, de sua cidade natal, Itapira, no interior de São Paulo, onde nascera em 21 de junho de 1930. Depois, rumou para o Sanjoanense, de São Paulo, onde substituiria o zagueiro Mauro, que seguira para o Santos. Dez anos depois, o próprio Mauro substituiria Bellini como capitão da seleção brasileira e repetiria o gesto de levantar a Jules Rimet para o mundo observar o bicampeonato. Ironias da bola.
Ironia, diga-se, até que bem natural. Pois Bellini chegara à Copa de 1962, no Chile, ainda como capitão da equipe. Mauro, com os mesmos 32 anos, não teria gostado e reclamou com o técnico Aymoré Moreira. Diante de uma possível crise de egos que poderia pôr em risco o bicampeonato mundial brasileiro, Bellini concordara em ceder a vaga ao companheiro, que admitia estar em melhores condições. A partir dali, Bellini e Mauro viraram grandes amigos.
A atitude de Bellini surpreendeu. Afinal, tratava-se do capitão da seleção brasileira de 1958, de personalidade forte. Muitos se lembram que na final do primeiro caneco mundial, logo após o primeiro gol sueco com minutos de partida, Didi caminhou até o meio do campo com a bola debaixo do braço bradando reação aos companheiros. Mas poucos sabem que foi Bellini o responsável por recolher a redonda das redes brasileiras e entregar nas mãos de Didi, instruindo-o a estimular os companheiros e evitar nova decepção de um país que ainda se assombrava com o Maracanazzo de 1950. O resultado é conhecido: Brasil 5 a 2 na Suécia, com direito a golaço do menino Pelé. Ao seu lado, uma legião de craques como Garrincha, Zagallo, Nilton Santos, Gylmar, entre outros, celebrava a conquista inédita.
O porte atlético e as feições com traços de elegância tornavam Bellini um alvo em potencial das mulheres brasileiras. O capitão da seleção de 1958 era, também, galã. Por isso, chegou a ser acusado por dirigentes do Vasco, no Campeonato Carioca do mesmo ano, a abusar das farras em Copacabana e contribuir para a má fase do time. As acusações irritaram o campeão mundial, que reagiu junto dos companheiros e levantou o título daquele ano. Pelo Vasco, aliás, colecionou mais dois Cariocas, uma Copa Rocca e um Torneio Rio-São Paulo. E, afinal, Bellini sempre fora apaixonado por Giselda, sua mulher até o fim da vida.
Em 1961, Be
llini trocou o Vasco pelo São Paulo, onde substituiu, de novo, Mauro. Épocas difíceis. Isto porque aquele garoto que surgira ao
seu lado, na Copa de 1958, um tal de Pelé, andava a barbarizar com a camisa do Santos, para onde também fora Mauro. Títulos pelo Tricolor do Morumbi não houve até 1967. À essa altura, já com a terceira Copa do Mundo no currículo, ao fazer parte dos convocados de 1966, Bellini decidiu se aventurar. E, corajosamente, saiu do eixo Rio-São Paulo ao vestir as cores do Atlético-PR de 1968 a 1969. Em Curitiba, Bellini também não conquistou títulos, mas reencontrou o amigo Djalma Santos, dos tempos de seleção brasileira.
Aos 39 anos, Bellini resolveu pendurar as chuteiras. Ao lado de sua Giselda, viveu de forma mais pacata, longe dos holofotes dos anos 50 que o fizeram estrelar comerciais e até a fazer testes para ator, o que contribuiu para sua fama de galã. Foi dono de uma rede de supermercados, de uma confeitaria e na década de 70 se formou em direito, conseguindo até passar no exame da ordem para ter a carteira de advogado. Mas a profissão, mesmo, nunca exerceu. Bellini continuava a sonhar com a bola em suas escolinhas do seu amado futebol.
Em 2008, compareceu à homenagem feita pelo então presidente Lula aos campeões de 1958, em referência aos 50 anos da conquista primeira Copa do Mundo, na Suécia. Há pouco mais de três anos, Bellini perdeu a fala devido ao agravamento do Mal de Alzheimer. Filho ilustre de Itapira, recebeu homenagens de vida. E ali nos passeios por Higienópolis, onde morava com esposa Giselda, quem o reconhecesse dificilmente deixaria de apontar aos amigos: ali estava Hideraldo Luiz Bellini, o capitão da seleção de 1958. O homem que, em um gesto, mudou a história do esporte mundial, fez-se estátua. E, por consequência, tornou-se imortal.
Fonte/Globo
No alto de seu 1,82 metro, o zagueiro que se destacava mais pela personalidade e pela virilidade do que propriamente pela técnica, agarrou a Copa e a ergueu com as duas mãos para o mundo inteiro observar. Não seria exagero dizer que Bellini, naquele simples gesto, mudou a história. Não é mesmo exagero. A imagem de um capitão com os dois braços esticados e a taça acima, reluzente e orgulhosa, era inédita. E nunca mais saiu do imaginário popular. Seja o esporte que for, na conquista em que for, o gesto é repetido ainda nos dias atuais. Uma reverência eterna a Bellini.
"Não foi nada programado. Os fotógrafos que pediram", costumava dizer o zagueirão.
Aos 83 anos de idade, Bellini cansou-se da luta com o Mal de Alzheimer, que o acometia há mais de dez anos, e nesta quinta-feira (20/03) faleceu em São Paulo, onde estava internado em quadro crítico, agravado por uma parada cardíaca. O homem que, em um gesto, deu um bico no complexo de vira-lata que assolava o Brasil desde o Maracanazzo da Copa de 1950. E, ironias do destino, ali na entrada do Maracanã, virou estátua. Ainda que movido pelo boca a boca do povo. Em 1960, dois anos após a conquista na Suécia, uma estátua de bronze que reproduzia gesto de Bellini com a Jules Rimet foi forjada pelo artista plástico Mateus Fernandes.
Era uma iniciativa do empresário Abraham Medina, pai de Roberto Medina, criador do Rock in Rio. Até hoje, a inspiração da estátua é coberta de mistérios. Oficialmente, a homenagem é dedicada aos campeões de 1958. Mas há quem diga que o rosto na escultura é de Francisco Alves, o Rei da Voz, cantor de rádio que arrebatava multidões nas décadas de 40 e 50 e que falecera em 1952 em um acidente automobilístico. A placa da estátua, inclusive, traz o grifo de "Rei de Voz". Há, também, quem diga que o rosto ali esculpido é de Hamilton Sparra, um modelo, e não do capitão da primeira seleção brasileira campeã do mundo.
Para o torcedor que frequenta o Maracanã, pouco importa. Seja ele do Vasco, clube defendido pelo zagueiro por dez anos, ou dos rivais Flamengo, Botafogo, Fluminense, América ou Bangu, aquela homenagem tem nome. É a Estátua do Bellini, ponto de referência na entrada do Maracanã e alvo de fotos dos mais curiosos fãs do esporte bretão que passam pelo mítico estádio carioca. Se a estátua não se fez Bellini, o proprio Bellini se fez estátua nos braços do povo.
Ali, na Cidade Maravilhosa, ele viveu seu auge na carreira profissional. O jeito elegante e o porte atlético do jogador o fizeram ser contratado pelo Gigante da Colina em 1952. Antes, Bellini passara pelo Itapirense, de sua cidade natal, Itapira, no interior de São Paulo, onde nascera em 21 de junho de 1930. Depois, rumou para o Sanjoanense, de São Paulo, onde substituiria o zagueiro Mauro, que seguira para o Santos. Dez anos depois, o próprio Mauro substituiria Bellini como capitão da seleção brasileira e repetiria o gesto de levantar a Jules Rimet para o mundo observar o bicampeonato. Ironias da bola.
Ironia, diga-se, até que bem natural. Pois Bellini chegara à Copa de 1962, no Chile, ainda como capitão da equipe. Mauro, com os mesmos 32 anos, não teria gostado e reclamou com o técnico Aymoré Moreira. Diante de uma possível crise de egos que poderia pôr em risco o bicampeonato mundial brasileiro, Bellini concordara em ceder a vaga ao companheiro, que admitia estar em melhores condições. A partir dali, Bellini e Mauro viraram grandes amigos.
A atitude de Bellini surpreendeu. Afinal, tratava-se do capitão da seleção brasileira de 1958, de personalidade forte. Muitos se lembram que na final do primeiro caneco mundial, logo após o primeiro gol sueco com minutos de partida, Didi caminhou até o meio do campo com a bola debaixo do braço bradando reação aos companheiros. Mas poucos sabem que foi Bellini o responsável por recolher a redonda das redes brasileiras e entregar nas mãos de Didi, instruindo-o a estimular os companheiros e evitar nova decepção de um país que ainda se assombrava com o Maracanazzo de 1950. O resultado é conhecido: Brasil 5 a 2 na Suécia, com direito a golaço do menino Pelé. Ao seu lado, uma legião de craques como Garrincha, Zagallo, Nilton Santos, Gylmar, entre outros, celebrava a conquista inédita.
O porte atlético e as feições com traços de elegância tornavam Bellini um alvo em potencial das mulheres brasileiras. O capitão da seleção de 1958 era, também, galã. Por isso, chegou a ser acusado por dirigentes do Vasco, no Campeonato Carioca do mesmo ano, a abusar das farras em Copacabana e contribuir para a má fase do time. As acusações irritaram o campeão mundial, que reagiu junto dos companheiros e levantou o título daquele ano. Pelo Vasco, aliás, colecionou mais dois Cariocas, uma Copa Rocca e um Torneio Rio-São Paulo. E, afinal, Bellini sempre fora apaixonado por Giselda, sua mulher até o fim da vida.
Em 1961, Be
llini trocou o Vasco pelo São Paulo, onde substituiu, de novo, Mauro. Épocas difíceis. Isto porque aquele garoto que surgira ao
seu lado, na Copa de 1958, um tal de Pelé, andava a barbarizar com a camisa do Santos, para onde também fora Mauro. Títulos pelo Tricolor do Morumbi não houve até 1967. À essa altura, já com a terceira Copa do Mundo no currículo, ao fazer parte dos convocados de 1966, Bellini decidiu se aventurar. E, corajosamente, saiu do eixo Rio-São Paulo ao vestir as cores do Atlético-PR de 1968 a 1969. Em Curitiba, Bellini também não conquistou títulos, mas reencontrou o amigo Djalma Santos, dos tempos de seleção brasileira.
Aos 39 anos, Bellini resolveu pendurar as chuteiras. Ao lado de sua Giselda, viveu de forma mais pacata, longe dos holofotes dos anos 50 que o fizeram estrelar comerciais e até a fazer testes para ator, o que contribuiu para sua fama de galã. Foi dono de uma rede de supermercados, de uma confeitaria e na década de 70 se formou em direito, conseguindo até passar no exame da ordem para ter a carteira de advogado. Mas a profissão, mesmo, nunca exerceu. Bellini continuava a sonhar com a bola em suas escolinhas do seu amado futebol.
Em 2008, compareceu à homenagem feita pelo então presidente Lula aos campeões de 1958, em referência aos 50 anos da conquista primeira Copa do Mundo, na Suécia. Há pouco mais de três anos, Bellini perdeu a fala devido ao agravamento do Mal de Alzheimer. Filho ilustre de Itapira, recebeu homenagens de vida. E ali nos passeios por Higienópolis, onde morava com esposa Giselda, quem o reconhecesse dificilmente deixaria de apontar aos amigos: ali estava Hideraldo Luiz Bellini, o capitão da seleção de 1958. O homem que, em um gesto, mudou a história do esporte mundial, fez-se estátua. E, por consequência, tornou-se imortal.
Fonte/Globo
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