segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

'Pela Seleção Brasileira eu viajaria até de jegue', diz Hulk


O atacante afirma sonhar com 2ª chance em 2018 e reitera o desejo de jogar pelo Palmeiras



A cena se repete sempre que Hulk chega em casa: Thor pula em seu pescoço, como se quisesse esganá-lo, enquanto o Homem de Ferro o segura pelas pernas. O grandalhão não se sente ameaçado pelo ataque — tampouco fica verde de raiva. Ele abre um largo sorriso antes de erguer a dupla pelos braços, sem fazer esforço algum.
Thor e Homem de Ferro são os apelidos que Ian e Thiago, de 7 e 5 anos respectivamente, escolheram para brincar com o pai. Hulk é Givanildo Vieira de Souza, atacante do Zenit-RUS e da seleção brasileira.
Aproveitar a convivência com os filhos está entre os passatempos preferidos do jogador em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia, com quase 5 milhões de habitantes. O paraibano se mudou para a antiga Leningrado em setembro de 2012, após ser vendido pelo Porto por R$ 153 milhões — é a mais cara contratação da história do futebol russo.
A mudança para o país-sede da próxima Copa do Mundo foi penosa. Nem tanto pelas baixas temperaturas, mas porque um boicote liderado pelo meia Denisov, então capitão da equipe, o deixou em situação desconfortável no vestiário. Por inveja do salário de Hulk, parte do elenco se recusava a conversar com o recém-contratado, que pensou em ir embora.
“O primeiro ano foi complicado”, relembra, nesta entrevista exclusiva ao DIÁRIO. “Encontrei um ambiente difícil, com jogadores de mentalidade pequena. Mas graças a Deus, essas pessoas não estão mais no nosso grupo. Hoje, o clima é bom e os russos se dão bem com os estrangeiros. Minha família está adaptada à cidade. Posso dizer que estou muito feliz no Zenit.”
A paz no trabalho não é a única razão da alegria do atacante, que completará 30 anos em julho. O recente retorno à seleção lhe trouxe alívio. Em agosto, ele voltou a ser chamado por Dunga após mais de um ano de ausência entre os convocados.
Hulk foi vítima do rancor do técnico da seleção, que resolveu cortá-lo dos amistosos contra Colômbia e Equador, em setembro de 2014. O Zenit enviou à CBF um pedido de dispensa, após exames constatarem uma lesão muscular na coxa do atacante. Inicialmente, o prazo de recuperação era de quatro a seis semanas, mas o atacante voltou a jogar antes do previsto. No dia 13, enfrentou o Dínamo Moscou, pela Liga Russa, fato que acabou aborrecendo o capitão do tetra.
“Quem me conhece sabe que eu jamais deixaria de servir a seleção se tivesse condições de jogar. Se tiver de viajar de jegue para jogar na seleção, eu viajo”, diz o atacante, autor de 11 gols e cinco assistências em 45 partidas com a camisa do Brasil.
A seguir, leia a entrevista de Hulk ao DIÁRIO.
DIÁRIO_ Após três anos na Rússia, você se sente adaptado ao país? Como é sua rotina?
HULK_ Meu dia a dia é tranquilo. A gente treina uma vez por dia, por mais ou menos duas horas. São trabalhos puxados, bem intensos, mas você consegue ter um tempo bom para aproveitar a família. Meus filhos estudam em uma escola internacional e eu vou buscá-los quase todo dia. Sempre que dá, levo as crianças ao cinema, ao shopping. O Ian e o Thiago têm aulas de caratê, capoeira e tênis. A Alice (de 2 anos) vai entrar no balé.
Ainda estranha o frio?
Rapaz, estou acostumado, mas, de vez em quando, é complicado. Hoje, por exemplo, foi o dia com mais neve desde que cheguei aqui. É difícil treinar assim porque a bola fica escorregadia, fica até difícil de enxergá-la. A gente teve de usar aquele modelo laranja. A temperatura estava em -6 graus. Está até bom. Quando a gente viajou para fazer a intertemporada no Catar, no mês passado, fez -27 em São Petersburgo.
Já se vira no idioma russo?
Não dá (risos). É muito complicado. Falo o básico, que é “bom-dia”, “boa-tarde”, “tudo bem?”. No treino, a gente conversa sempre em inglês. O técnico do Zenit é português (André Villas-Boas), o que também ajuda bastante. Em casa, temos uma intérprete que o clube contratou quando cheguei. Ela já é quase da família. Ajuda muito no nosso dia a dia.
A estabilidade na Rússia contribuiu para você seguir no país, apesar do assédio da China?
Realmente, tive algumas propostas, mas o meu contrato com o Zenit é longo, até o meio de 2019. Na minha vida, coloco tudo nas mãos de Deus. Se eu tiver de ir embora na próxima janela, que seja o melhor para mim e para o Zenit.
As propostas chinesas eram para ganhar mais do que já recebe na Rússia?
Eu posso dizer que o nível da proposta foi muito alto. Dá para falar que era, sim, irrecusável. Todo jogador que recebe uma oferta assim quer sair na hora. Mas eu renovei o meu contrato com o Zenit não faz muito tempo e o clube não achou ser este o momento certo de me vender. Respeito muito o Zenit e os seus dirigentes.
Você tem despertado o interesse de clubes da Europa e da Ásia. Ainda vê possibilidade de voltar ao Brasil?
Tenho essa vontade, sim. Quero jogar um Campeonato Brasileiro antes de me aposentar. Saí muito cedo para jogar no Japão, então, ficou esse desejo.
Toparia reduzir o salário para retornar ao país?
Dinheiro não é tudo na vida. Sou uma pessoa realizada, tenho uma família maravilhosa e uma condição financeira boa. Como já disse, coloco tudo na mão de Deus. Não sei se volto ao Brasil daqui a um ano ou daqui a três. Mas vou voltar.
Nos últimos anos, teve propostas de times brasileiros?
Vários clubes já tentaram me contratar, procuraram o meu empresário. Mas a consulta é sempre por empréstimo. É complicado um clube como o Zenit me emprestar, sabendo que tem a possibilidade de me vender por um preço bom. A vontade de voltar ao Brasil não é algo para já. Quero viver mais um tempo fora, com os meus filhos e a minha esposa. Não é o momento ainda.
Gostaria de retornar para o Palmeiras, clube pelo qual torcia na infância?
Claro que, se eu puder jogar no Palmeiras um dia, vai ser muito bacana. Tem esse lance de eu ser torcedor do time, mas sou profissional. O futebol é minha profissão. Não teria problema em jogar por outra equipe.
O Palmeiras já o procurou para negociar alguma vez?
Eu não posso falar o nome dos clubes que me procuraram. Tento não me envolver, deixo para o meu empresário cuidar dessa parte. Mas as conversas nunca chegaram a avançar.
Assistiu à final da Copa do Brasil entre Palmeiras e Santos? Ficou feliz com o título?
Não cheguei a ver porque estava concentrado. Claro que fiquei feliz com a vitória, com a conquista. Quando pequeno, era muito fanático pelo Palmeiras. Sou o único palmeirense em uma casa lotada de corintianos. Até o meu pai é corintiano. Mas quando você começa a jogar, passa a encarar essa coisa de torcer com mais distância. Você se desliga um pouco, deixa de ser fanático. Mas, claro, sempre terei um carinho enorme pelo Palmeiras.
Para qual time os seus filhos torcem?
Como eles nunca moraram no Brasil, não têm essa ligação com os times daí. Então, os dois meninos torcem mesmo pelo Porto e pelo Zenit.
Você já foi vítima de manifestações racistas na Rússia.
O problema persiste?
Deu uma diminuída grande, até por causa do meu comportamento. Quando eu cheguei, ficava revoltado com as ofensas, xingava de volta. É uma coisa triste, inadmissível, mas comecei a entender, com o tempo, que não adianta muito ficar bravo. Então, comecei a ser irônico. Agora eu mando beijos para quem está me xingando. Os caras ficam loucos da vida... Mas, graças a Deus, eu nem me lembro da última vez em que me xingaram.
Já foi vítima de racismo nas ruas de São Petersburgo?
Pelo contrário, sempre que vou a algum lugar com a minha família, sou bem tratado. As pessoas pedem foto, querem autógrafo, agradecem pelos bons jogos que tenho feito, falam para eu não ir embora.
Como está na preparação no país para a Copa de 2018?
Muitos estádios já estão prontos e sendo utilizados. A gente vê uma evolução muito rápida nas obras. Tive a oportunidade de jogar no campo do Spartak Moscou, que será uma das sedes. O estádio está muito bom, parecido com os que foram feitos no Brasil. A arena de São Petersburgo também vai ficar excelente, será uma das mais modernas da Copa do Mundo. Sempre que posso, dou uma espiadinha. Os russos estão se preparando para organizar uma grande competição.
Quais lembranças restaram da eliminação do Brasil na Copa de 2014?
É difícil até de falar. Tudo aconteceu muito rápido... (refere-se ao 7 a 1). Eu me lembro de que teve uma hora em que parei, olhei para cima e achei que estivesse tendo um sonho ruim. Tudo deu certo para os caras e tudo deu errado para a gente.
Conseguiu ver o VT do jogo em algum momento?
Já tive vontade de ver, mas não tive coragem. É um negócio que deixa a gente muito pra baixo. Espero que a gente possa ter uma segunda chance. Claro que todos os 200 milhões de brasileiros sofreram com o que aconteceu, mas nós, os jogadores que estávamos em campo, sofremos mais ainda.
Acha que o 7 a 1 pode ajudar no amadurecimento dos jogadores que estiveram em 2014 e estarão também em 2018?
Eu vejo o grupo mais forte psicologicamente. A gente sempre aprende com os erros, servem de aprendizado. É quase inacreditável aquilo que aconteceu. Até hoje, tento entender, mas não consigo.
Como foi voltar à seleção brasileira após mais de um ano sem ser convocado?
Foi muito bom. Estava com vontade de voltar. Nunca desanimei com a ausência. Sempre procurei fazer o meu trabalho bem feito para que a oportunidade aparecesse e, felizmente, ela veio. Fui bem, fiz gol e espero continuar sendo lembrado pelo professor Dunga.
Você deixou de ser chamado após a Copa de 2014 por causa de um pedido de dispensa encaminhado pelo Zenit à CBF. Você e o Dunga já conversaram a respeito para esclarecer o mal-entendido?
Não chegamos a conversar e também não vejo necessidade. Acredito que não vinha sendo chamado porque outros jogadores estavam em um momento melhor do que o meu. A concorrência na seleção é muito grande. Quem me conhece sabe que eu jamais deixaria de servir a seleção tendo condições de jogar. Se tiver de viajar de jegue para jogar na seleção, eu viajo. A seleção é o meu sonho e ser campeão na Copa da Rússia, o meu maior objetivo.
O Zenit perdeu do Benfica (1 a 0) no jogo de ida das oitavas da Liga dos Campeões. Está confiante na classificação?
O primeiro jogo foi difícil. Fazia dois meses que a gente não jogava, porque o Campeonato Russo para no fim do ano. Mas a derrota foi pelo placar mínimo. Dá para reverter na nossa casa. A nossa torcida é fanática, empurra muito. Você está naquele frio e, quando olha para a arquibancada, vê uns caras sem camisa gritando. Eles são guerreiros. Você tem obrigação de correr a 130 km/h.
Fonte/WSCOM

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